07 março 2012

Um anjo na estrada



As lembranças contadas pelas cordas cansadas deste velho violão viajaram comigo pela estrada sem nome e costumavam parar em um canto qualquer enquanto ganhavam na voz deste homem qualquer as promessas que eu não poderia tornar reais.

Tudo era tão fácil, mas naquela noite, naquele saloon, encontrei a mais frágil das joias e aquela que parecia ser o maior dos meus problemas. Ali estava ela, sob a luz fraca das velas, mais barata que o couro da cela de meu cavalo.

Meu paladar buscou pelo whisky, mas no ar eu sentia um perfume mais doce que o mais raro dos vinhos. Meus olhos ali pararam sem lugar para onde ir. Sentia algo queimar. Era como ferida de bala ainda vermelha de sangue. Sentia que estava preso aos olhos dela e que estaria de certo ferrado. Era só questão de tempo.

Os olhos no rosto pequeno cortaram a noite de forma afiada e vieram ao meu encontro. Maiores a cada passo. Mais intensos a cada respiração que já falhava em mim.
Pela primeira vez eu me senti como um garoto magrelo com as calças molhadas por medo de que o céu pudesse cair. E ele caiu.

Minha cabeça me dizia que faltava o sentido em qualquer parte daquela orquestra de anjos, mas meu peito se abria e ela entrava cada vez mais fundo com o passar dos dias.

A estrada era minha dama. Minha companheira e única confidente. Por ela e com ela eu andei. Aprendi e ser homem e nossas alianças eram apenas palavras de honra e minha Colt .45. Este era eu, antes das asas dela.

Minhas mãos sempre sujas com o sangue do meu dever encontram nela o toque suave que me domou. No sono dela, os olhos que eu beijava enquanto ela adormecia nos meus braços e, na voz, uma canção sem versos ou tempo que me ensinaram a temer o adeus.

Minhas cicatrizes se foram sob os cuidados dela. Os anos se passaram e a fragilidade daquele anjo se tornou também a minha. Nunca me senti tão feliz ao viver o passar dos anos, pois tinha minhas mãos junto às dela.

As marcas do tempo se tornaram cada vez mais visíveis e mesmo sem a força de antes, eu ainda a sentia feliz por dormir em meus braços. Mas as sombras daqueles que levei gritavam e gritavam através dos anos até que um dia a perdi, tão rápido como na noite na qual a conheci.

Meu anjo voltou aos céus e sigo agora minha estrada olhando pra cima. Aos olhos de muitos, um velho que fala sozinho. Assim eu sigo, olhando pra ela.
Felipe Gangrel para Tatiana Garcia



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