07 março 2012

Minha Princesa de Sidhe


A lua estava em Beltane quando, como por influência de uma força invisível, me vi caminhando pelos bosques.

Fui um convidado entre os carvalhos, freixos e olmos enquanto pela noite eu seguia meu caminho oculto.

Uma voz suave me falava aos ouvidos. Contava histórias em uma língua que o homem nunca articulara.

Por um caminho de pedras eu passei sem nem mesmo sentir meus pés agora nus tocarem o chão. Até que a um salão feito de névoas fui levado.

Ali a névoa tomava forma de vidro e começava a derreter. E logo, daquele orvalho, a brisa tecia-me vestes e também me dava de beber.

A névoa se abria e meus olhos focavam no centro daquela pintura mágica e, no centro da obra, ela sorria pra mim.

No centro do lago, aquela que não pode ser encontrada em nenhuma das margens e nem mesmo além.

Ela, que se esconde da mais vigorosa busca empreitada pelo bravo dos bravos é a mesma que abriu a cortina de brumas para este bardo.

Ela, que me guiou através de teias misteriosas até onde o sol da meia noite monta guarda sob a forma de luar.

Ali, até a própria lua se rende e deixa chorar sobre o corpo de minha Senhora a preciosa luz que guia os seres perdidos em meio ao véu da noite.

Dias passaram e vidas inteiras também poderiam passar.  Ali, o tempo parara. Ali só havia ela e fiz de mim, com prazer,  uma extensão dela.

Eu estava de acordo com qualquer sentença. Qualquer destino, ali ao lado dela, seria completo. Feito de calma e êxtase. Feito de não-tempo e não-palavras.

E assim se despediram os carvalhos, freixos e olmos que o próprio tempo levou. Mas eternos ficamos nós dois no centro do lago.

Eu. Um sacrifício dedicado a ela. Minha princesa de Sidhe. Minha Deusa com jeito de menina.

Felipe Gangrel para Tatiana Garcia

Um anjo na estrada



As lembranças contadas pelas cordas cansadas deste velho violão viajaram comigo pela estrada sem nome e costumavam parar em um canto qualquer enquanto ganhavam na voz deste homem qualquer as promessas que eu não poderia tornar reais.

Tudo era tão fácil, mas naquela noite, naquele saloon, encontrei a mais frágil das joias e aquela que parecia ser o maior dos meus problemas. Ali estava ela, sob a luz fraca das velas, mais barata que o couro da cela de meu cavalo.

Meu paladar buscou pelo whisky, mas no ar eu sentia um perfume mais doce que o mais raro dos vinhos. Meus olhos ali pararam sem lugar para onde ir. Sentia algo queimar. Era como ferida de bala ainda vermelha de sangue. Sentia que estava preso aos olhos dela e que estaria de certo ferrado. Era só questão de tempo.

Os olhos no rosto pequeno cortaram a noite de forma afiada e vieram ao meu encontro. Maiores a cada passo. Mais intensos a cada respiração que já falhava em mim.
Pela primeira vez eu me senti como um garoto magrelo com as calças molhadas por medo de que o céu pudesse cair. E ele caiu.

Minha cabeça me dizia que faltava o sentido em qualquer parte daquela orquestra de anjos, mas meu peito se abria e ela entrava cada vez mais fundo com o passar dos dias.

A estrada era minha dama. Minha companheira e única confidente. Por ela e com ela eu andei. Aprendi e ser homem e nossas alianças eram apenas palavras de honra e minha Colt .45. Este era eu, antes das asas dela.

Minhas mãos sempre sujas com o sangue do meu dever encontram nela o toque suave que me domou. No sono dela, os olhos que eu beijava enquanto ela adormecia nos meus braços e, na voz, uma canção sem versos ou tempo que me ensinaram a temer o adeus.

Minhas cicatrizes se foram sob os cuidados dela. Os anos se passaram e a fragilidade daquele anjo se tornou também a minha. Nunca me senti tão feliz ao viver o passar dos anos, pois tinha minhas mãos junto às dela.

As marcas do tempo se tornaram cada vez mais visíveis e mesmo sem a força de antes, eu ainda a sentia feliz por dormir em meus braços. Mas as sombras daqueles que levei gritavam e gritavam através dos anos até que um dia a perdi, tão rápido como na noite na qual a conheci.

Meu anjo voltou aos céus e sigo agora minha estrada olhando pra cima. Aos olhos de muitos, um velho que fala sozinho. Assim eu sigo, olhando pra ela.
Felipe Gangrel para Tatiana Garcia



23 abril 2009

A montanha das filhas do Sol

Estella vive em uma cabana simples nas montanhas
Longe de tudo o que conhecemos
Ela vive assim desde que sua mãe morreu há anos em um acidente
Sua única companhia tem sido sua cadelinha e melhor amiga: Milka

Antes do pôr do sol elas sobem por uma trilha
Um caminho cercado de flores até o topo da montanha
Lá em cima ela começa um ritual que só ela conhece
E que talvez ninguém nunca a tenha ensinado
Numa língua nunca ouvida em parte alguma deste mundo ela canta

De olhos fechados ela dança em um pequeno jardim
Enquanto Milka observa cada passo com atenção
Estella flutua cada vez mais longe do chão enquanto gira
E com suas mãos move as nuvens do céu

Enquanto o dia vai embora ela acena para o Sol que desce
Milka corre para perto de Estella abanando o rabinho
E as duas ouvem os segredos sobre o próximo dia
Todos contados pela Lua

Após o Sol se pôr, Estella e Milka descem a trilha
Durante a volta podem ver muitos vaga-lumes brilhando
Como estrelas em um céu que elas tocam

Amanhã será um dia igual
E lá de cima, elas vão chegar mais uma vez perto do céu
Mais perto talvez do que você ou eu um dia possamos chegar

Felipe Gangrel para Estella Simielli

14 fevereiro 2009

Quarto 312



Emily não sente o calor do sol na pele branca há tempos.
Quarto 312. Visão privilegiada para um muro pintado de branco.
Na cama fria olhos insones que dormem no teto.
Emily das asas quebradas pelo tempo espera o dia nascer.
Amanhã será um dia especial para ela.

14 horas. A hora em que Emily esboça seus únicos sorrisos.
Dr. Martin Wright, psiquiatra, visita Emily frequentemente.
A voz calma de Martin parece ser a única droga que a mantém
E ele parece ter mais problemas que a paciente. Eu sei
Reabilitação assistida ou um bom plano de fuga?

Três anos de cuidados. Ele poderia ter entregado o caso. Três anos...
Três anos e um segredo que ele escondia de si.
Três anos se passaram ali ao lado dela.
E ele se perguntou se tudo aquilo não havia sido um erro.
Apaixonar-se por ela? Apaixonar-se? Quem o culparia?

Em todos os anos de estudos, livros e noites em claro.
Ninguém o alertou sobre um risco tão bobo
Um problema tão grande, mas que desaparece quando ele a olha nos olhos.
O sorriso de Emily e os sonhos presos por dentro
A culpa de Martin pelas drogas que a prendiam junto a ele
Você o culparia?

Felipe Gangrel